O texto desta emissão, é um texto que já produzi há uns tempos atrás, mas além de ser sobre a temática :) tem também uma referência musical que está presente nesta emissão: One Of Us de Joan Osbourne.
Este pequeno conto pertence a um outro projeto em que estou a trabalhar, um livro, em que cada conto tem uma ou mais referências musicais e que se associam de algum modo com a escrita. É quase como uma emissão do meu mundo, um tema, uma música! A ilustração pertence à grande Ana Fragata que me ajuda na parte gráfica desta aventura.
Espero que gostem.
1Abraço
Carlos Lopes
Fotografia
Refª
Musical: If God was one of us – Joan Osborne
Estava uma daquelas
manhãs que me fazia sentir um mentiroso compulsivo quando cumprimentei o
vizinho da frente com um cordial “Bom dia”. Não havia motivo nenhum para lhe
chamar bom, o céu estava farrusco, cinzento mesmo, e a chuva caía com uma
intensidade tal, que parecia justificar porque é que a água cobre quase 71% da
terra e parecia, mesmo, querer passar a cobrir 72%.
Entrar para o carro com
os miúdos, era uma aventura diária, mas em dias como este revelava-se uma
verdadeira luta pela sobrevivência. Mas depois de conseguida, tinha o doce
sabor da vitória e a recompensa do silêncio a que o temporal os remetia. Não
sei se era a falta da luminosidade ou a distração com as linhas da água da
chuva nos vidros do carro, mas o que é certo, é que ficavam calados e a viagem
até à escola era sempre muito calma.
Nesse dia porém, estourou
uma imensa trovoada, e ao primeiro relâmpago ouvi o ruído de fundo no banco de
trás aumentar de imediato. Ao segundo relâmpago, ouvi a conversa estalar entre
a população do banco de trás. E quando, ao terceiro relâmpago, dei uma
espreitadela rápida para trás (para não me distrair na minha condução), vi algo
que não estava preparado para ver.
No banco de trás, trazia
três seres lindos com o sorriso mais rasgado do mundo e que, apesar de
parecerem muito tensos, mantinham esse mesmo sorriso a grande custo, denotando,
no entanto, a tensão que a tempestade lhes transmitia. Já a olhar de novo para
o meu caminho, lancei para o ar um pedido de explicações, na forma de um “Porque
é que estão tão sorridentes? Qual foi a piada? Porque estão a arreganhar a
tacha?”
A mais velhinha começou a
falar e disse:
— Lembras-te
pai, quando há uns tempos eu tive medo dos relâmpagos? Eu disse aos manos a
mesma coisa que tu me disseste!
Fazendo um esforço
inglório para me recordar como tinha justificado a existência dos relâmpagos de
um modo menos teórico do que ”é o resultado de uma descarga elétrica entre a
nuvem e o solo”, acabei por pedir para contarem o que era então um relâmpago.
Nessa altura, foi o mais
pequenito que avançou com a explicação que tinha ouvido e absorvido da irmã:
— Então pai, já não te
lembras que os relâmpagos são o flash da máquina fotográfica?
A minha pergunta
subsequente foi tão rápida, que nem tempo tive para relembrar o que pudera ter
dito em tempos:
— Então e quem está a
tirar as fotografias?
A explicação do mais pequeno
veio com a mesma rapidez:
– É Deus, claro! Por isso
estamos a sorrir tanto, para ficarmos bem na fotografia e tu devias fazer o
mesmo, papá!
Foi uma das viagens mais
divertidas da minha vida. Sorrimos e rimos a bandeiras despregadas e estou,
plenamente, convencido que, se Deus estiver mesmo a tirar fotografias, não
devemos ter ficado nada mal.
O pior são aquelas
fotografias em que nos apanha desprevenidos porque não usa flash!!!
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