sábado, 20 de abril de 2019

A Chuva e os seus efeitos

Devia ter para aí uns 10 anos, quando pela primeira vez, me desafiaram para expressar o que sentia inspirado pela música. Lembro-me que na altura, numa aula de Educação Visual, a "stora" colocou a tocar o quebra-nozes de Tchaikovsky e nos pediu que desenhássemos ao sabor daquela música. Lembro-me também de ela elogiar o desenho cinzentão, a lápis de carvão, que tinha feito e dizer-me que tinha apanhado muito bem o espírito e ambiente da música e do compositor.
Com o tempo, descobri diferentes efeitos dos sons e músicas, em mim. Por exemplo, para estudar, tinha que ser ao som de música minimalista, tipo Tangerine Dream ou Klaus Schulze. No entanto, desde muito cedo verifiquei que o som da água tinha um efeito... calmante talvez, mas ao mesmo tempo...bem é melhor nem avançar muito por aí porque este é um blogue sobre música.
Com o passar do tempo, os sons fizeram-me expressar de modo diferente. Hoje em dia, vou "escrevinhando" uns textos, que gosto de apelidar de contos, e que são basicamente, pequenas histórias inspiradas por música. Fazem parte de um projecto a concretizar (mais um) que é a edição do livro "Contos com música". O texto que apresento a seguir, foi inspirado precisamente por uma das músicas da playlist da emissão sobre a chuva, "Rain" dos Breaking Benjamin e chama-se "Os Homens Não Choram". Aqui fica o resultado.
Já agora, deixo aqui uma curiosidade sobre os Breaking Bejamin: o nome da banda veio de um incidente quando Bejamin Burnley vocalista e guitarrista da banda, estava a fazer uma "cover" duma música dos Nirvana num pequeno clube, e no meio dos ânimos exaltados pela música, ele deu um pontapé no pedestal do microfone, partindo-o. O dono do microfone, um conhecido de Burnley,  subiu ao palco e disse - "Eu gostaria de agradecer a Benjamin por partir a porcaria do meu microfone". :)


Os Homens Não Choram!!!

Do topo do escadote olhou para baixo e viu-a. Enquanto trabalhava no osso do esqueleto de Brontossauro, limpando-o com o máximo cuidado, não pôde deixar de a contemplar a fazer também o seu trabalho. Sabia perfeitamente que ela era a "namorada" do Diretor do museu, mas isso não importava, já os tinha visto juntos e nem uma só vez tinha visto uma demonstração de paixão entre eles. Não se beijavam, não andavam de mão dada, não se acariciavam, não se olhavam nos olhos, nem sequer falavam muito. Por isso achava que podia começar por a ter como amiga e o resto viria a seguir naturalmente.
Por isso, 3 dias depois (num dia de verdadeiro temporal), acabaram por ficar os dois até mais tarde a trabalhar e encontraram-se como que "presos" pelo temporal no museu de arqueologia. Nesse dia ela estava um pouco cabisbaixa (qualquer coisa entre o triste e o cansada) e ele aproveitou para fazer o seu primeiro avanço. Cuidadosamente escolheu um papel e começou a escrever:

Se um dia precisares de alguém para te ouvir... chama-me!
eu prometo que estarei lá e fico quieto para te ouvir.

Se um dia te apetecer fugir de tudo...não hesites em chamar-me!
eu não prometo tentar impedir-te, mas prometo fugir contigo.

Se um dia te apetecer chorar... chama-me!
eu não prometo fazer-te rir, mas posso chorar contigo.

Mas se um dia me chamares e eu não responder...
por favor vem depressa... provavelmente preciso de ti.
Depois de escrever esta mensagem, dirigiu-se a ela e, com um sorriso na cara, estendeu-lhe o papel e disse:
- Toma... é para ti.
Ela recebeu o papel e com uma atitude de espanto começou a lê-lo. A meio da leitura já a sua cara se tinha modificado para o que ele identificou como um sorriso. E quando finalmente acabou de ler, levantou a cabeça e disse-lhe a rir-se
- Primeiro... sabes que o Diretor do museu é o meu amante, por isso cuidado... podes ver-te subitamente sem emprego. Segundo eu não acredito na amizade entre um homem e uma mulher... O homem e a mulher foram feitos para outra coisa. E terceiro deixa-te destas mariquices pá!!! Os homens não choram!!!
Dito isto baixou novamente a cabeça e voltou a embrenhar-se no seu trabalho. Ele por seu lado saiu porta fora para a rua deixando a chuva misturar-se com as lágrimas que lhe corriam pela face. Abençoou a chuva por lhe permitir chorar sem que alguém se pudesse aperceber e começou a caminhar afastando-se do museu.
Passou por uma mulher, que com dificuldade, convencia o seu filho a tapar a cabeça com o oleado para não apanhar chuva. O miúdo barafustava e chorava, rejeitando o oleado, argumentando que gostava muito de apanhar chuva.
Ele passou pelo miúdo, fez uma voz zangada e grave, e disse - vá rapaz, toca a fazer o que a tua mãe diz... olha que os homens não choram.
Hoje, sentado no sofá, pensa como tudo se tinha encaminhado na sua vida. Pensa na bela família que hoje tem e como tinha conhecido aquela que era agora a sua mulher e o filho dela que era, agora, dele também. Recuando no tempo, cerca de 5 anos, vê exactamente o quadro retratando a situação, que nessa feliz data tinha permitido conhecer aqueles que hoje eram a sua família e sente uma lágrima correr pela face. Fecha os olhos e mais duas ou três lágrimas, saem sem que ele as consiga controlar.
O miúdo sentado na alcatifa a brincar com os "Legos" vendo as lágrimas na cara do pai, pergunta - afinal pai!!! os homens choram ... ou não??
Ele calmamente respondeu então...
- Só quando chove... filho, só quando chove...
Refª Musical:  Rain – Breaking Benjamin
Carlos Lopes

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