Sentia-me um autêntico ouriço, que cada vez que detetava alguma proximidade, espetava uma defesa espinhuda para fora e não deixava ninguém tocar-me. Até que… bom a história que escrevi logo na primeira vez que ouvi os Kino foi a que apresento a seguir. Chama-se A Donzela e o Ouriço, o fim da história é... bem … é um fim de história à minha moda. Para saber como é, leiam já abaixo.
No entanto, o que me fez escrever esta história foi a música Letting Go dos Kino e, por isso, aqui fica uma breve história dos rapazes.
Os Kino, são uma banda britânica, constituída por músicos muito experientes, oriundos de outras bandas, a saber: John Mitchel, guitarrista e vocalista (ex- It Bites, Frost , Lonely Robot e Arena), Pete Trewavas, baixista (ex-Marillion, Transatlantic e Edison's Children), John Beck, teclista (ex- It Bites) e Craig Blundell (ex- Frost, Steven Wilson).
O primeiro álbum da banda "Picture" (de onde é oriundo Letting Go) saíu em fevereiro de 2005 e foi muito bem recebido pela crítica e pelo público em geral. Após um longo hiato de tempo, de cerca de 12 anos, sem novidades dos Kino, eis que editam em Março de 2018 "Radio Voltaire". O rock progressivo que praticavam, volta a ser a nota dominante e eu, pessoalmente, já tenho pelo menos dois dos temas deste álbum na minha playlist de favoritas.
Para mim foi muito importante aperceber-me, de como quatro compinchas faziam um som denso, musculado e instrumentalmente tão elaborado, ao vivo. Por isso, deixo aqui ficar o link para um vídeo espetacular, Letting Go dos Kino, ao vivo, em 2005 na televisão alemã.
E para ler enquanto ouvem o tema, aqui fica:
A Donzela e o ouriço
Refª Musical: Letting
go – Kino
Com uma expressão de desespero, a donzela lançou-se
para o chão da pequena varanda e ali se deixou ficar por um pedaço, imóvel,
enquanto ouvia a porta da rua bater, após mais uma daquelas conversas inúteis
em que o egoísmo daquele com quem vivia se mostrava, uma vez mais, em todo o
seu esplendor.
Quando deu conta da porta a fechar, esticou os braços,
movimento que a fez tocar em algo que a picou na mão esquerda. Com surpresa,
verificou que um pequeno ouriço utilizava aquele canto da sua varanda como
local de abrigo.
Ficou imóvel à espera que ele desfizesse a sua
barreira intransponível de espinhos e, quando ele o fez, disse-lhe, em voz doce
e em tom de desabafo, “Tu é que tens sorte...estás protegido”.
Para grande espanto seu, o ouriço respondeu-lhe “Mas
com isso ninguém se aproxima de mim”. Ela, após superar a fase inicial de
surpresa, começou a falar com ele. E, rapidamente, verificaram que havia uma
química muito especial entre eles.
Todos os dias ela se ia deitar junto do seu ouriço e
falavam, falavam horas perdidas sobre tudo o que lhes vinha à cabeça. Ela
ensinou-lhe tudo aquilo que ele nunca experimentara dada a sua condição de
ouriço e ele, em contrapartida, ensinou-lhe o que é a paixão, porque de
qualquer coisa que falassem ou fizessem ele fazia-o com paixão, algo que ela já
não sentia, nem via, há muito tempo.
Os dias, os meses e os anos foram passando com esta
estranha relação sempre a crescer (com os seus altos e baixos, como é óbvio),
até que um dia, a donzela chegou ao pé do ouriço e disse-lhe, “Vou deixar de
vir aqui ter contigo...vai custar-me muito, ao início, mas é melhor”. O ouriço,
sem saber porquê e sem capacidade de resposta, fez o que sempre fazia para se
defender de algo que o magoava e eriçou a sua barreira espinhosa.
A donzela ainda procurou saber se ele estava bem, mas,
de dentro de casa, ouvia-se a voz daquele com quem ela vivia dizendo “Rápido...vamos”.
Ela saiu, deixando a casa completamente vazia e o pobre ouriço completamente
desamparado.
Nos primeiros tempos, ele ficou fechado até que
começou a pensar nas muitas coisas que ela lhe tinha ensinado e como o mundo,
lá fora, podia ser muito bonito, por isso, ao fim de uma semana, decidiu “baixar
guarda” e sair daquele espaço. Com um impulso, lançou-se da varanda para o chão
e, contente com a sua decisão, começou a caminhar em direção ao sol.
O condutor do carro nem viu o que tinha pisado.
Somente quando chegou a casa, à noite, e estacionou o carro na garagem da sua
nova moradia, viu que havia marcas de sangue nos pneus e os restos de um corpo
estropiado. Só aí se apercebeu que tinha atropelado um ouriço e pensou que
aquela bicharada devia manter-se no sítio deles e não vir passear para o meio
da cidade, onde há sempre tanta coisa a acontecer.
Carlos Lopes
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