sexta-feira, 21 de junho de 2019

Os rapazes não choram.


Custou-lhe a levantar nesse dia. Não se sentia muito bem e sentia um inércia gigantesca para se mexer. 
Conseguiu vestir-se e dirigiu-se para a cozinha para tomar o pequeno almoço. A sua Mãe gritou com ele "Que vergonha, tanto tempo para te levantares! Se chegares atrasado à escola, não vou justificar a falta!" Quase que sentiu as lágrimas nos olhos mas lembrou-se que a Mãe lhe dizia frequentemente "os rapazes não choram!" Assim, engoliu as lágrimas e despachou-se o mais depressa que conseguiu. 


Ao sair do carro do pai à frente da escola tropeçou, com a pressa, e espalhou-se no chão. Os colegas que iam a entrar para a escola desataram a rir-se com a queda dele. Até o Pai e os irmãos se riram de dentro do carro. Enquanto o Pai perguntava, ainda meio a rir-se "Magoaste-te? Mas que belo espalhanço!", sentiu de novo as lágrimas a assomar. Novamente lembrou-se da voz da Mãe "Os rapazes não choram!". Engoliu em seco e respondeu ao Pai "Não, está tudo bem. Até logo". 
Ainda envergonhado entrou para as aulas no meio dos risos dos colegas que contavam uns aos outros as peripécias dele à entrada da escola. Fez menção de não ligar mas não se sentia nada feliz. Ainda assim, os rapazes não choram, pensou. No recreio ficou, como frequentemente lhe acontecia, parado a olhar aquela colega de quem tanto gostava, demasiado envergonhado para lhe falar. Um daqueles colegas mais velhos, ao passar por ele deu-lhe um empurrão e atirou-o ao chão. O colega disse-lhe "Idiota, o que estavas a fazer parado no meu caminho?". 
Detectando o olhar de soslaio dele para ver se a rapariga tinha notado aquela nova afronta, o colega desatou a rir. "Olha! Este idiota está apaixonado por aquela miúda!" disse ele bem alto de forma a ela ouvir. Ela olhou, viu-o o no chão e desatou também a rir. Ele sentia o seu mundo a desabar e uma dor forte no joelho que tinha esfolado. Ainda assim pensou: "Os rapazes não choram". Fortificado por esta certeza levantou-se e voltou para a sala de aula onde enfrentou o resto da turma, sendo alvo da chacota de muitos, uns pela queda, outros por ter sido apanhado a olhar para a rapariga. Quando as aulas terminaram foi sozinho para casa pois assim tinha combinado com os pais. No caminho parou e viu uma gata que lambia um gatinho bébé que estava numa posição estranha na berma da estrada e não se mexia. Aí percebeu que a sua Mãe não tinha razão, afinal os rapazes também choram…


Paulo Lopes

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